quarta-feira, 23 de abril de 2008

observação II (relógio)


e ela acordou disposta a explicitar sua vontade de se socializar.Agora,além das estrelas e das músicas,com mentes concretamente humanas.

A cama era um emaranhado de tecidos macios e coloridos.Ela vestia uma camiseta preta com a letra de 'Hand in my pocket' estampada.Espreguiçou-se ali mesmo.Pegou o despertador em cima do criado-mudo.Era 8:30 hs.Um sorriso sutil nasceu em seu rosto.Levantou-se rapidamente.Demora uma hora e meia no banheiro e mais 15 minutos para se vestir.Uma saia longa preta.Uma regata vermelha.Um casaco azul marinho.Coturno preto.Fez uma trança lateral no cabelo e colocou um gorro vermelho.Na sala cumprimentou Bona e ligou o som.Tocava 'Recado' de Maria Rita.E ela,como uma adolescente no show de seu maior ídolo,fechou os olhos e acompanhou Maria numa voracidade invejável.Suas mãos dançavam pelo ar.Então,a música acaba e ela desliga o aparelho.Enrola o cachecol no pescoço e sai sem comer nada.

A aura lá fora congelava seu rosto.Por um instante os olhos se tornavam orientais.A rua estava deserta.Era domingo.Não queria sentir novamente o vazio que sentira no dia anterior.Havia chorado muito.

Escreveu numa folha de papel reciclado que estava sobre a mesa de centro da sala

"E por um instante você se sente um nada.Parece que tudo ao seu redor se torna fortemente alheio.É como se você se tomasse uma anestesia total e as coisas começassem a ficar embaciadas.E você...você fica paralisada.Um choque em silêncio.A perdição consome o pensamento.E ele constrói reticências.Estas,naquele momento, já procedem as interrogações.Meio precipitado isso,mas é o fato.Pedras pelo caminho são ignoradas.São como fantasmas.E você então...anda e anda sem rumo.E espera o que substituirá as reticências."

Largou o texto e o lápis e foi dormir.

E agora caminha com intenções concretas.Sem pressa física.Anseio psicológico.Ela sentiu um alívio,pois isso era algo espontâneo.Colocou as mãos nos bolsos do casaco.Esqueceu as luvas.Então avistou no céu azul-alaranjado balões de gás hélio coloridos.Ouvia gritos calorosos vindos da direção dos balões.Ela sorria calmamente.Os passos diminuiam a velocidade.Os braços balançavam 135º lateral ao corpo.Ela chegou ao parque.E os braços pararam.Debruçou-se numa grade mediana ao corpo.Observava profundamente duas crianças no balanço em gargalhadas.Empurradas,provavelmente,pelo pai.Ela pensou 'alegria natural'.E dispersou-se com os balões de gás hélio.Mais ainda com a atmosfera multicolor.De repente seu coração acelera.Desejo de uma alma alheia estacionar-se ao seu lado.E espera.E espera.E espera.Exatas 3hs e 12 minutos de espera.Aí ela ouve 'tem relógio?' Ela se vira e com uma expressão de ansiedade responde 'não'.Um homem ali.Ela observou-o detalhadamente em 2 segundos e ofereceu-lhe um singelo sorriso.Ele a agradeceu com um sorriso recíproco e saiu.Ela imaginou 'deve ter entre 20 e 22 anos ou,posso estar enganada'.Ele vestia um jeans escuro com botas marrons.Uma blusa branca e um casaco preto.Um olhar forte.Traços faciais suavemente intrigantes.O cabelo propositalmente desregulado.Ah,e ela também percebeu o brinco de coco na orelha direita.Depois de toda a definição ocular,ela sentiu um friozinho no estômago.Estranhou-se.Ela deu um passo em direção a ele e pediu para esperar.Ele,com as mãos nos bolsos do casaco,virou-se com uma expressão tão pacífica.Aproximou-se dela.E esta,sem temer nada,pergunta 'será que eu posso me apaixonar por você?'.E ela penetra o seu olhar no dele.E,de novo,uma espera.Como aquela dos substitutos das reticências.Talvez sim.Ele não se espanta com a interrogação como ela supunha.Mas,não é indiferente.O jovem demonstrou-se discretamente encantado e também interrogou-a 'e você quer se apaixonar por mim?'.